12.09.2025

Leader's Talks - Gabriela Faria (Founder & CEO @ Lisbon Project)

Aos 23 anos, deu início a uma organização que já apoiou mais de 7.000 migrantes e refugiados, com o apoio de mais de 1.500 voluntários ao longo dos anos. Nesta entrevista partilha connosco o seu percurso, os maiores desafios e a visão de futuro para uma sociedade mais inclusiva.
Leader's Talks - Gabriela Faria (Founder & CEO @ Lisbon Project)
Gabriela Faria
Founder & CEO @ Lisbon Project

"Não podemos subestimar o poder das pequenas ações.”

Aos 23 anos, deu início a uma organização que já apoiou mais de 7.000 migrantes e refugiados, com o apoio de mais de 1.500 voluntários ao longo dos anos. Nesta entrevista partilha connosco o seu percurso, os maiores desafios e a visão de futuro para uma sociedade mais inclusiva.

Do Sonho em Direitos Humanos ao Nascimento do Lisbon Project

1. Pode começar por nos contar um pouco sobre si e o seu percurso até chegar ao Lisbon Project?

Gabriela: Eu cresci em Portugal, sou portuguesa, mas nasci na África do Sul. Estudei Política e Relações Internacionais na Escócia, com a ambição de trabalhar em direitos humanos, sobretudo em África. 

Mas em 2016, quando regressei a Portugal para estar com a minha família e começar a procurar emprego no estrangeiro, comecei também a conhecer migrantes e refugiados em Lisboa. Fiz algumas amizades e percebi que existia um padrão, que existiam enormes barreiras e dificuldades que estes enfrentavam como: aprender a língua, encontrar emprego, lidar com a burocracia e, sobretudo, um grande isolamento social.

2. Foi aí que surgiu a ideia do Lisbon Project?

Gabriela: Sim. Na altura percebi que, além da resposta institucional do governo, a sociedade civil quase não estava envolvida, ou seja, olhava à volta e via uma resposta do Governo, através do SEF, de lojas do cidadão e centros de saúde, mas quando olhava para a comunidade, na verdade não via muita ação.

Então pensei, e se eu conseguisse mobilizar sectores diferentes, como universidades, empresas, clubes desportivos e igrejas a colaborarem todos juntos, para dar uma resposta mais humana, mais eficaz e mais rápida? E foi assim que nasceu o Lisbon Project. 

No início era só uma forma de ajudar uma pessoa de cada vez, não tinha grande visão a 10 anos, não era uma empreendedora com uma estratégia para os próximos anos, a minha ideia era simplesmente um passo, uma vida de cada vez.

E começou com uma família do Iraque que não conseguia inscrever os filhos na escola, eu fui com eles ao agrupamento e só por falar português, conseguimos resolver tudo em meia hora.

Percebi que o simples servir uma pessoa de cada vez tinha um grande impacto e foi assim que o Lisbon Project começou (simplesmente um projeto em Lisboa) depois acabei por me apegar ao nome, que se mantém o mesmo até aos dias de hoje. E agora a nossa visão é muito maior, nestes últimos oito anos o coração do Lisbon Project tem sido um coração de comunidade, de celebrarmos a diversidade, de sermos eficazes e darmos oportunidades às pessoas.

Os Desafios de Começar aos 23 Anos

3. Quais foram os principais desafios no início deste projeto?

Gabriela: Os desafios foram muitos, eu tinha 23 anos e aprendi tudo "on the job", a tentar apoiar uma pessoa de cada vez. Uma das aprendizagens foi perceber que não precisava de ser tudo para todos — tinha de estar pronta para aprender e fazer um pouco de tudo, mas sobretudo rodear-me de pessoas que sabiam mais do que eu em determinadas áreas. Nunca nos intimidarmos com a experiência ou inteligência dos outros, em vez disso, sermos gratos, ouvir e orientar esse conhecimento com os valores certos para maximizar o impacto.

Outro desafio constante foi a gestão do tempo. Quando se trabalha para ajudar quem se encontra em vulnerabilidade, há uma tentação de trabalhar non-stop. Afinal são pessoas que precisam de ajuda. No entanto, a vida não para — os filhos crescem, as estações passam e as amizades mudam. Aprendi a priorizar melhor o meu tempo, a proteger o meu tempo livre e a trabalhar com mais excelência. A maternidade ensinou-me a fazer o triplo do trabalho em metade do tempo!

Também enfrentei momentos de perda: desde a nossa sede inundada, a saída repentina de membros-chave da equipa, a pandemia a fechar portas, ou financiamentos que não chegaram. Cada perda trouxe, no entanto, sabedoria, inovação e espaço para novas lideranças surgirem.

E claro, angariar fundos em Portugal foi (e ainda é) um grande desafio. O setor de responsabilidade social corporativa está pouco desenvolvido e há desde o início, muito ceticismo em relação a doar financeiramente a ONGs. Foi preciso ganhar confiança e, pouco a pouco, ajudar a criar uma nova cultura de solidariedade.

O Crescimento de uma Comunidade

4. O Lisbon Project compete com entidades públicas ou complementa o trabalho já existente?

Gabriela: O Lisbon Project nasceu para complementar o trabalho que já existia. O sistema público em Portugal dá apoio administrativo essencial, mas percebemos que isso, por si só, não é suficiente para garantir uma verdadeira integração. É por isso que o nosso foco é apoiar na aprendizagem da língua, no acesso ao emprego, habitação e educação, e sobretudo na construção de comunidade — ajudando cada pessoa a reconstruir a sua vida em Portugal.

5. Como é que as pessoas chegam até ao Lisbon Project e como foi a evolução da vossa equipa?

Gabriela: Tudo começou muito de boca em boca. Eu tinha um escritório no Lumiar e a palavra foi-se espalhando entre os refugiados, uma pessoa dizia a outra: “há uma rapariga que pode ajudar” e foi assim que começaram a chegar até nós. Também nunca fizemos nenhuma campanha de marca e em complemento ao “passa palavra”, temos apenas um website super explicativo. 

Em relação à nossa equipa, de início fui mobilizando a minha rede de amigos, família e conhecidos. Ao longo do tempo fomos estruturando o nosso apoio, ouvindo sempre a voz da comunidade, tentando perceber quais os maiores desafios que encontravam e como os podíamos ajudar.  Hoje temos seis pessoas em full-time, cerca de 200 voluntários por semana e 20 estagiários. Todos os voluntários passam por um onboarding e têm funções híbridas, nada é totalmente remoto, porque o coração do projeto é a comunidade e o contacto humano.

Financiamento e Parcerias

6. Como se financiam? E trabalham em conjunto com outras entidades públicas?

Gabriela: O Lisbon Project é 100% financiado por entidades privadas. Cerca de 50% vem de doadores a título privado, mensais ou pontuais, e o resto de empresas e fundações. Desde o início optámos por não depender de financiamento público, o que nos torna um caso raro em Portugal.

Em relação a outras entidades, procuramos estabelecer parcerias com organizações — públicas e privadas, em diferentes níveis — que partilhem os nossos valores e missão. Acreditamos que quanto mais forte e alinhada for esta rede, maior será o impacto e a eficácia do nosso trabalho junto das comunidades que servimos. Mesmo quando não é possível contar com financiamento direto, buscamos sempre formas de colaborar e acrescentar valor através de outras sinergias.

7. Conseguem dar resposta a todos os pedidos que vos chegam?

Gabriela: Infelizmente, nem sempre conseguimos dar resposta imediata a todos os pedidos, porque a procura pelos nossos serviços é imensa. Mas acreditamos numa abordagem holística: enquanto alguém espera por um curso de português, pode participar em jantares comunitários, grupos de jovens, de mulheres e de crianças, ou em eventos culturais que promovem integração e criam relações. Procuramos ser sempre claros e próximos na nossa comunicação, para que cada pessoa saiba como e quando terá acesso ao apoio de que precisa. E quando não temos a resposta dentro de casa, encaminhamos para parceiros que a possam dar. O nosso compromisso é que ninguém fique parado à espera — há sempre uma forma de se envolver, aprender e crescer connosco.

8. Os  jantares semanais que refere, são só para a comunidade do Lisbon Project?

Gabriela: Não, são jantares abertos a todos. Todas as quartas-feiras entre as 19h e as 20h, qualquer pessoa pode vir ao Lisbon Project. Temos muitas vezes empresas que participam como voluntárias. Mas qualquer pessoa pode vir, especialmente porque o contexto em Portugal mudou, quer a nível social e político e cada vez mais sentimos a necessidade de envolver a comunidade local. Isto porque consideramos que existe um “gap” cada vez maior, onde os imigrantes, expatriados e portugueses encontram-se em grupos diferentes e o Lisbon Project procura de forma intencional juntar todos estes grupos de forma a que se conheçam uns aos outros, com o objetivo de construir uma comunidade mais coesa.

9. Também organizam eventos de fundraising?

Temos vindo a organizar vários eventos solidários que nos enchem de alegria e aproximam a comunidade — como o torneio de futebol em outubro, o torneio de padel em junho, concertos de música e jantares de angariação de fundos. Estes momentos criam awareness, fortalecem parcerias e celebram a missão do Lisbon Project.

No entanto, a forma mais impactante de apoiar é tornando-se doador mensal. Os doadores mensais garantem a continuidade e sustentabilidade do nosso trabalho, ao mesmo tempo que passam a fazer parte ativa da nossa comunidade. Recebem as nossas newsletters, podem envolver-se como voluntários e participar conforme o tempo e disponibilidade que tiverem. Assim, não só apoiam projetos transformadores, mas assumem um papel ativo na construção da Lisboa e de Portugal que desejamos para o futuro.

Para doar ao Lisbon Project basta aceder ao seguinte link: https://www.lisbonproject.org/donate

Visão de Futuro

10. Como é que descreve o Lisbon Project hoje?

Gabriela: Aos dias de hoje, o Lisbon Project procura ser um “One Stop Shop” para migrantes e refugiados. Ou seja, oferecemos desde aulas de português, apoio à empregabilidade e à burocracia, até bens essenciais e atividades culturais. 

Queremos acima de tudo dar um apoio holístico a quem nos procura e ajudá-los a traçar os seus caminhos, com as ferramentas que podemos disponibilizar. E por vezes, quando não está ao nosso alcance, recorremos à ajuda dos nossos parceiros.

A nossa visão e desejo para o futuro é expandir para além de Lisboa. Vemos o contexto atual e reconhecemos tanto as necessidades do nosso país como a importância da imigração para responder a essas necessidades — mas também a urgência de investir numa melhor integração. Queremos, por isso, trabalhar cada vez mais de perto com empresas, comunidades locais e todos os setores da sociedade, construindo em conjunto um futuro mais inclusivo e sustentável.

11. Voltando a falar um pouco da Gabriela: como foi começar tudo isto com apenas 23 anos?

Gabriela: O meu objetivo era trabalhar em direitos humanos, numa ONG, fiz vários estágios em África e na Ásia, porque a minha ideia era mesmo ir para o mundo e estar com os povos mais vulneráveis, ajudá-los e contribuir com a minha vida, com o meu talento e com a minha energia.

E muito inesperadamente nasceu o Lisbon Project, porque os meus olhos viram a realidade do que acontecia em Portugal e senti que tinha que fazer algo, então acabei por permanecer por cá.

O início do Lisbon Project, foi uma mistura de coragem e um pouco de loucura, ou seja, não perceber muito daquilo que estamos a fazer, mas simplesmente fazer! Foi também um espírito pioneiro, de não pensar muito e acima de tudo de ir para a frente.

Lembro-me de um episódio que aconteceu no nosso primeiro ano, em que um grupo de senhoras refugiadas da Síria e do Iraque, me disseram que nunca tinham ido à praia. Então na semana seguinte organizei uma ida à praia com cerca de 40 pessoas e sem sabermos muito bem como iria ser, graças a esse espírito otimista conseguimos que tudo corresse bem. 

12. E como evoluiu a sua liderança ao longo do tempo?

Gabriela: Com o crescimento da organização, tive de passar de uma liderança espontânea para uma liderança mais estratégica e intencional. Hoje não se trata tanto de fazer eu própria o trabalho, mas de construir uma equipa que compreenda a visão, mobilizar as pessoas certas para contribuírem com os seus talentos e garantir que todos trabalhamos no mesmo ritmo e na mesma direção.

13. Conseguiu conciliar tudo isto com a sua vida pessoal?

Gabriela: Casei três semanas depois de começar o projeto e entretanto tive duas filhas. Foi uma fase intensa, mas até a maternidade me deu mais confiança e coragem para liderar. Afinal, se consigo cuidar de dois seres humanos, consigo gerir uma organização.

14. Pode falar-nos um pouco mais sobre o voluntariado? 

Gabriela: No Lisbon Project, acreditamos que cada pessoa tem algo valioso para oferecer, por isso o voluntariado pode acontecer de muitas formas diferentes. A nossa comunidade é um mundo de atividades: desde dar aulas de português, apoiar crianças com explicações, cozinhar nos eventos comunitários, orientar na procura de emprego, até colaborar em áreas como recursos humanos ou angariação de fundos. Há sempre uma forma de contribuir com os seus talentos e tempo. Para conhecer todas as vagas disponíveis e candidatar-se, basta aceder a www.lisbonproject.org/volunteer

15. Pode deixar-nos uma mensagem final?

Gabriela: Não podemos subestimar o poder das pequenas ações. Se amamos o país em que vivemos, temos também a responsabilidade de contribuir para o seu futuro. A missão do Lisbon Project representa o nosso compromisso coletivo com a empatia, a eficiência e a inclusão. As nossas vidas têm valor e o nosso amor pelo próximo faz a diferença. Seja a doar ou a voluntariar-se, a sua ação conta — e juntos construímos um futuro mais justo e humano. Que sejamos um povo generoso, tanto com o nosso tempo, como também com os nossos recursos!

Números do Impacto

  • +7.000 migrantes e refugiados apoiados
  • +1.500 voluntários mobilizados
  • 600 membros apoiados mensalmente

Visite o Website do Lisbon Project: https://www.lisbonproject.org/

"Não podemos subestimar o poder das pequenas ações.”

Aos 23 anos, deu início a uma organização que já apoiou mais de 7.000 migrantes e refugiados, com o apoio de mais de 1.500 voluntários ao longo dos anos. Nesta entrevista partilha connosco o seu percurso, os maiores desafios e a visão de futuro para uma sociedade mais inclusiva.

Do Sonho em Direitos Humanos ao Nascimento do Lisbon Project

1. Pode começar por nos contar um pouco sobre si e o seu percurso até chegar ao Lisbon Project?

Gabriela: Eu cresci em Portugal, sou portuguesa, mas nasci na África do Sul. Estudei Política e Relações Internacionais na Escócia, com a ambição de trabalhar em direitos humanos, sobretudo em África. 

Mas em 2016, quando regressei a Portugal para estar com a minha família e começar a procurar emprego no estrangeiro, comecei também a conhecer migrantes e refugiados em Lisboa. Fiz algumas amizades e percebi que existia um padrão, que existiam enormes barreiras e dificuldades que estes enfrentavam como: aprender a língua, encontrar emprego, lidar com a burocracia e, sobretudo, um grande isolamento social.

2. Foi aí que surgiu a ideia do Lisbon Project?

Gabriela: Sim. Na altura percebi que, além da resposta institucional do governo, a sociedade civil quase não estava envolvida, ou seja, olhava à volta e via uma resposta do Governo, através do SEF, de lojas do cidadão e centros de saúde, mas quando olhava para a comunidade, na verdade não via muita ação.

Então pensei, e se eu conseguisse mobilizar sectores diferentes, como universidades, empresas, clubes desportivos e igrejas a colaborarem todos juntos, para dar uma resposta mais humana, mais eficaz e mais rápida? E foi assim que nasceu o Lisbon Project. 

No início era só uma forma de ajudar uma pessoa de cada vez, não tinha grande visão a 10 anos, não era uma empreendedora com uma estratégia para os próximos anos, a minha ideia era simplesmente um passo, uma vida de cada vez.

E começou com uma família do Iraque que não conseguia inscrever os filhos na escola, eu fui com eles ao agrupamento e só por falar português, conseguimos resolver tudo em meia hora.

Percebi que o simples servir uma pessoa de cada vez tinha um grande impacto e foi assim que o Lisbon Project começou (simplesmente um projeto em Lisboa) depois acabei por me apegar ao nome, que se mantém o mesmo até aos dias de hoje. E agora a nossa visão é muito maior, nestes últimos oito anos o coração do Lisbon Project tem sido um coração de comunidade, de celebrarmos a diversidade, de sermos eficazes e darmos oportunidades às pessoas.

Os Desafios de Começar aos 23 Anos

3. Quais foram os principais desafios no início deste projeto?

Gabriela: Os desafios foram muitos, eu tinha 23 anos e aprendi tudo "on the job", a tentar apoiar uma pessoa de cada vez. Uma das aprendizagens foi perceber que não precisava de ser tudo para todos — tinha de estar pronta para aprender e fazer um pouco de tudo, mas sobretudo rodear-me de pessoas que sabiam mais do que eu em determinadas áreas. Nunca nos intimidarmos com a experiência ou inteligência dos outros, em vez disso, sermos gratos, ouvir e orientar esse conhecimento com os valores certos para maximizar o impacto.

Outro desafio constante foi a gestão do tempo. Quando se trabalha para ajudar quem se encontra em vulnerabilidade, há uma tentação de trabalhar non-stop. Afinal são pessoas que precisam de ajuda. No entanto, a vida não para — os filhos crescem, as estações passam e as amizades mudam. Aprendi a priorizar melhor o meu tempo, a proteger o meu tempo livre e a trabalhar com mais excelência. A maternidade ensinou-me a fazer o triplo do trabalho em metade do tempo!

Também enfrentei momentos de perda: desde a nossa sede inundada, a saída repentina de membros-chave da equipa, a pandemia a fechar portas, ou financiamentos que não chegaram. Cada perda trouxe, no entanto, sabedoria, inovação e espaço para novas lideranças surgirem.

E claro, angariar fundos em Portugal foi (e ainda é) um grande desafio. O setor de responsabilidade social corporativa está pouco desenvolvido e há desde o início, muito ceticismo em relação a doar financeiramente a ONGs. Foi preciso ganhar confiança e, pouco a pouco, ajudar a criar uma nova cultura de solidariedade.

O Crescimento de uma Comunidade

4. O Lisbon Project compete com entidades públicas ou complementa o trabalho já existente?

Gabriela: O Lisbon Project nasceu para complementar o trabalho que já existia. O sistema público em Portugal dá apoio administrativo essencial, mas percebemos que isso, por si só, não é suficiente para garantir uma verdadeira integração. É por isso que o nosso foco é apoiar na aprendizagem da língua, no acesso ao emprego, habitação e educação, e sobretudo na construção de comunidade — ajudando cada pessoa a reconstruir a sua vida em Portugal.

5. Como é que as pessoas chegam até ao Lisbon Project e como foi a evolução da vossa equipa?

Gabriela: Tudo começou muito de boca em boca. Eu tinha um escritório no Lumiar e a palavra foi-se espalhando entre os refugiados, uma pessoa dizia a outra: “há uma rapariga que pode ajudar” e foi assim que começaram a chegar até nós. Também nunca fizemos nenhuma campanha de marca e em complemento ao “passa palavra”, temos apenas um website super explicativo. 

Em relação à nossa equipa, de início fui mobilizando a minha rede de amigos, família e conhecidos. Ao longo do tempo fomos estruturando o nosso apoio, ouvindo sempre a voz da comunidade, tentando perceber quais os maiores desafios que encontravam e como os podíamos ajudar.  Hoje temos seis pessoas em full-time, cerca de 200 voluntários por semana e 20 estagiários. Todos os voluntários passam por um onboarding e têm funções híbridas, nada é totalmente remoto, porque o coração do projeto é a comunidade e o contacto humano.

Financiamento e Parcerias

6. Como se financiam? E trabalham em conjunto com outras entidades públicas?

Gabriela: O Lisbon Project é 100% financiado por entidades privadas. Cerca de 50% vem de doadores a título privado, mensais ou pontuais, e o resto de empresas e fundações. Desde o início optámos por não depender de financiamento público, o que nos torna um caso raro em Portugal.

Em relação a outras entidades, procuramos estabelecer parcerias com organizações — públicas e privadas, em diferentes níveis — que partilhem os nossos valores e missão. Acreditamos que quanto mais forte e alinhada for esta rede, maior será o impacto e a eficácia do nosso trabalho junto das comunidades que servimos. Mesmo quando não é possível contar com financiamento direto, buscamos sempre formas de colaborar e acrescentar valor através de outras sinergias.

7. Conseguem dar resposta a todos os pedidos que vos chegam?

Gabriela: Infelizmente, nem sempre conseguimos dar resposta imediata a todos os pedidos, porque a procura pelos nossos serviços é imensa. Mas acreditamos numa abordagem holística: enquanto alguém espera por um curso de português, pode participar em jantares comunitários, grupos de jovens, de mulheres e de crianças, ou em eventos culturais que promovem integração e criam relações. Procuramos ser sempre claros e próximos na nossa comunicação, para que cada pessoa saiba como e quando terá acesso ao apoio de que precisa. E quando não temos a resposta dentro de casa, encaminhamos para parceiros que a possam dar. O nosso compromisso é que ninguém fique parado à espera — há sempre uma forma de se envolver, aprender e crescer connosco.

8. Os  jantares semanais que refere, são só para a comunidade do Lisbon Project?

Gabriela: Não, são jantares abertos a todos. Todas as quartas-feiras entre as 19h e as 20h, qualquer pessoa pode vir ao Lisbon Project. Temos muitas vezes empresas que participam como voluntárias. Mas qualquer pessoa pode vir, especialmente porque o contexto em Portugal mudou, quer a nível social e político e cada vez mais sentimos a necessidade de envolver a comunidade local. Isto porque consideramos que existe um “gap” cada vez maior, onde os imigrantes, expatriados e portugueses encontram-se em grupos diferentes e o Lisbon Project procura de forma intencional juntar todos estes grupos de forma a que se conheçam uns aos outros, com o objetivo de construir uma comunidade mais coesa.

9. Também organizam eventos de fundraising?

Temos vindo a organizar vários eventos solidários que nos enchem de alegria e aproximam a comunidade — como o torneio de futebol em outubro, o torneio de padel em junho, concertos de música e jantares de angariação de fundos. Estes momentos criam awareness, fortalecem parcerias e celebram a missão do Lisbon Project.

No entanto, a forma mais impactante de apoiar é tornando-se doador mensal. Os doadores mensais garantem a continuidade e sustentabilidade do nosso trabalho, ao mesmo tempo que passam a fazer parte ativa da nossa comunidade. Recebem as nossas newsletters, podem envolver-se como voluntários e participar conforme o tempo e disponibilidade que tiverem. Assim, não só apoiam projetos transformadores, mas assumem um papel ativo na construção da Lisboa e de Portugal que desejamos para o futuro.

Para doar ao Lisbon Project basta aceder ao seguinte link: https://www.lisbonproject.org/donate

Visão de Futuro

10. Como é que descreve o Lisbon Project hoje?

Gabriela: Aos dias de hoje, o Lisbon Project procura ser um “One Stop Shop” para migrantes e refugiados. Ou seja, oferecemos desde aulas de português, apoio à empregabilidade e à burocracia, até bens essenciais e atividades culturais. 

Queremos acima de tudo dar um apoio holístico a quem nos procura e ajudá-los a traçar os seus caminhos, com as ferramentas que podemos disponibilizar. E por vezes, quando não está ao nosso alcance, recorremos à ajuda dos nossos parceiros.

A nossa visão e desejo para o futuro é expandir para além de Lisboa. Vemos o contexto atual e reconhecemos tanto as necessidades do nosso país como a importância da imigração para responder a essas necessidades — mas também a urgência de investir numa melhor integração. Queremos, por isso, trabalhar cada vez mais de perto com empresas, comunidades locais e todos os setores da sociedade, construindo em conjunto um futuro mais inclusivo e sustentável.

11. Voltando a falar um pouco da Gabriela: como foi começar tudo isto com apenas 23 anos?

Gabriela: O meu objetivo era trabalhar em direitos humanos, numa ONG, fiz vários estágios em África e na Ásia, porque a minha ideia era mesmo ir para o mundo e estar com os povos mais vulneráveis, ajudá-los e contribuir com a minha vida, com o meu talento e com a minha energia.

E muito inesperadamente nasceu o Lisbon Project, porque os meus olhos viram a realidade do que acontecia em Portugal e senti que tinha que fazer algo, então acabei por permanecer por cá.

O início do Lisbon Project, foi uma mistura de coragem e um pouco de loucura, ou seja, não perceber muito daquilo que estamos a fazer, mas simplesmente fazer! Foi também um espírito pioneiro, de não pensar muito e acima de tudo de ir para a frente.

Lembro-me de um episódio que aconteceu no nosso primeiro ano, em que um grupo de senhoras refugiadas da Síria e do Iraque, me disseram que nunca tinham ido à praia. Então na semana seguinte organizei uma ida à praia com cerca de 40 pessoas e sem sabermos muito bem como iria ser, graças a esse espírito otimista conseguimos que tudo corresse bem. 

12. E como evoluiu a sua liderança ao longo do tempo?

Gabriela: Com o crescimento da organização, tive de passar de uma liderança espontânea para uma liderança mais estratégica e intencional. Hoje não se trata tanto de fazer eu própria o trabalho, mas de construir uma equipa que compreenda a visão, mobilizar as pessoas certas para contribuírem com os seus talentos e garantir que todos trabalhamos no mesmo ritmo e na mesma direção.

13. Conseguiu conciliar tudo isto com a sua vida pessoal?

Gabriela: Casei três semanas depois de começar o projeto e entretanto tive duas filhas. Foi uma fase intensa, mas até a maternidade me deu mais confiança e coragem para liderar. Afinal, se consigo cuidar de dois seres humanos, consigo gerir uma organização.

14. Pode falar-nos um pouco mais sobre o voluntariado? 

Gabriela: No Lisbon Project, acreditamos que cada pessoa tem algo valioso para oferecer, por isso o voluntariado pode acontecer de muitas formas diferentes. A nossa comunidade é um mundo de atividades: desde dar aulas de português, apoiar crianças com explicações, cozinhar nos eventos comunitários, orientar na procura de emprego, até colaborar em áreas como recursos humanos ou angariação de fundos. Há sempre uma forma de contribuir com os seus talentos e tempo. Para conhecer todas as vagas disponíveis e candidatar-se, basta aceder a www.lisbonproject.org/volunteer

15. Pode deixar-nos uma mensagem final?

Gabriela: Não podemos subestimar o poder das pequenas ações. Se amamos o país em que vivemos, temos também a responsabilidade de contribuir para o seu futuro. A missão do Lisbon Project representa o nosso compromisso coletivo com a empatia, a eficiência e a inclusão. As nossas vidas têm valor e o nosso amor pelo próximo faz a diferença. Seja a doar ou a voluntariar-se, a sua ação conta — e juntos construímos um futuro mais justo e humano. Que sejamos um povo generoso, tanto com o nosso tempo, como também com os nossos recursos!

Números do Impacto

  • +7.000 migrantes e refugiados apoiados
  • +1.500 voluntários mobilizados
  • 600 membros apoiados mensalmente

Visite o Website do Lisbon Project: https://www.lisbonproject.org/

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