

Com um percurso académico pioneiro, uma estreia profissional em plena bolha da internet e a coragem de arriscar quando ainda não havia clientes nem portefólio, construiu a AmplitudeNet e acompanhou de perto a evolução da tecnologia, sempre com um olhar crítico, inovador e humano. Nesta entrevista, partilha connosco os momentos-chave, as dificuldades e a visão de futuro que o continuam a guiar.
1. Como foi o seu percurso académico?
César: Licenciei-me há cerca de 25 anos, em Engenharia Electrotécnica e de Computadores na FEUP, com especialização em Inteligência Artificial, numa altura em que ainda não existia o curso de Informática no Porto.
2. Como foi o seu primeiro projeto profissional e o que retirou do mesmo?
César: O meu primeiro projeto profissional foi no Shopping Direct, uma empresa criada pelo Grupo BCP, naquele que foi o primeiro grande projeto de comércio eletrónico em Portugal.
Uma das características deste projeto era o fato de usarem na altura a ferramenta de programação de e-commerce mais cara a nível mundial, que se diferenciava por introduzir conceitos de personalização e de marketing one-to-one, que era algo que estava a começar a ser introduzido.
No entanto, os valores envolvidos no licenciamento dessa solução, geravam projetos com valores totalmente desajustados para a realidade portuguesa. Isto foi em pleno período daquela que ficou conhecido pela era da "Bolha da Internet", onde havia uma grande especulação no valor das empresas Online e onde no final a esmagadora maioria fracassou.
Era também uma altura onde tudo era muito novo e onde se cometiam erros diários de palmatória no que fazia na Web.
Mas foi também uma fase onde muita coisa começou a nascer, como por exemplo a ciência da usabilidade e a consciencialização da importância de envolver os consumidores finais nos processos de criação das soluções Online.
Foi nesse seguimento que percebi o impacto que as pequenas mudanças de usabilidade podiam ter nas vendas e também como más decisões de gestão podem arruinar projetos com grandes possibilidades de sucesso.
A AmplitudeNet
3. O que o motivou a criar a AmplitudeNet?
César: Tinha 27 anos, quando eu e um dos meus sócios atuais, enquanto ainda trabalhávamos no projeto do BCP, decidimos criar uma plataforma em cima de plataformas open source, com os mesmos princípios do Marketing personalizado.
Então trabalhávamos de dia e à noite desenvolvíamos a nossa plataforma, que deu origem à criação da nossa empresa passados 2 anos.
Acabou por ser um misto de frustração e ambição, porque ainda durante a experiência no Shopping Direct pensávamos: “Tem de haver uma forma melhor de fazer isto” e decidimos arriscar. Não tínhamos clientes, nem portfólio, mas tínhamos ideias e queríamos provar que o foco no utilizador e na personalização eram o futuro.
Hoje em dia temos cerca de 20 funcionários e mantemo-nos 2 dos fundadores iniciais.
4. Como foram os primeiros tempos na AmplitudeNet?
César: Os primeiros tempos na AmplitudeNet foram intensos, pois a empresa necessitava de dinheiro para sobreviver e como ainda não tínhamos clientes, foi necessário criarmos uma almofada financeira que nos permitisse dedicar tempo a consolidar a empresa.
Tínhamos uma grande experiência em todas as facetas da Web, como por exemplo, e-commerce, marketing one-to-one, arquitetura de informação, usabilidade e tínhamos também uma plataforma de personalização muito à frente no tempo para aquela altura.
O nosso maior desafio foi dar a entender ao público o nosso conceito e mostrar aos clientes que tínhamos a capacidade de fazer diferente e melhor.
Começamos a ter alguns clientes e recordo-me que os nossos primeiros projetos na web foram com uma livraria e uma empresa de vinhos, e que o resultado final foi tão bom, que a partir desse momento começamos naturalmente a ter mais clientes e a crescer de forma orgânica, o que nos deu fôlego financeiro e credibilidade.
5. Quando é que perceberam que precisavam de mudar de rumo dentro da empresa?
César: Quando o mercado de Websites e E-commerce começou a ser dominado por plataformas prontas, que aos olhos do cliente final conseguiam fazer tudo sem nenhum esforço.
Perdemos a conta dos clientes que tínhamos e que nos disseram que iam mudar para uma outra solução, que só necessitavam de 3 meses, porque tinham uma solução nova e chave-na-mão, mas depois os projetos demoraram mais de 5 anos a conseguir ter algo minimamente aproximado ao que já tinham connosco.
Deste modo, a perceção que começou a haver no mercado com a massificação das plataformas “prontas” levou a uma mudança de rumo na empresa. E há cerca de 15 anos, resolvemos apostar no Digital Signage, criando uma outra plataforma própria para gestão de ecrãs, depois de identificarmos que seria uma área com um enorme futuro.
6. Porquê o Digital Signage?
César: A solução que oferecemos é transversal a qualquer área de negócio, o que nos cativava bastante. Dentro do universo do Digital Signage existem duas realidades diferentes.
Uma é aquela em que o cliente final é o consumidor, o que acontece por exemplo em shoppings, onde o consumidor acaba por ver ecrãs um bocadinho por todo o lado. Esta é a realidade que as pessoas têm mais presente, por serem bombardeadas cada vez mais com os vídeos e as imagens a passar nos vários ecrãs existentes.
Nesta realidade, passados 15 anos, a nossa maior concorrente ainda é a pendrive, ou seja, mesmo marcas grandes com centenas de lojas, ainda recorrem às pendrives e não vêem a necessidade de ter um software que as substitua, mesmo depois de perceberem todos os grandes benefícios que poderiam daí vir a obter.
A outra realidade é a da televisão corporativa, onde o cliente final são os colaboradores das empresas e quando se entra nesta realidade as empresas não querem apenas passar imagens e vídeos, querem sim ter emissões inteligentes que atraiam a atenção dos colaboradores.
Para além de vídeos com a missão, valores e projetos desenvolvidos, as empresas pretendem uma emissão muito mais dinâmica, capaz de prender a atenção dos colaboradores, como por exemplo com a apresentação de KPIs chaves da empresa, notícias do dia, metereologia, indicadores de bolsa, temas abordados nas redes sociais, estado do trânsito local e até notícias desportivas.
Tudo isto é possível de acontecer, devido a uma série de apps associadas ao nosso software, em que quem esteja de fora desta realidade acaba por achar que está uma grande equipa a produzir todo o conteúdo da emissão, quando na verdade já conseguimos que tudo seja muito automatizado.
Mas mais do que um software, a Amplitude Net oferece uma solução completa, desde o hardware até ao software, instalação, gestão e suporte.
Atualmente em Portugal trabalhamos com cerca de metade das empresas do PSI-20 e gerimos redes de grande dimensão, como o software dos 3.500 ecrãs da Tabaqueira ou as cerca de 700 montras digitais da Tranquilidade.
7. Que momento considera decisivo na história da empresa?
César: Destaco a entrada da EDP em 2006 como nosso cliente.
Na altura a EDP, usando o nosso software e uma grande equipa interna criou um canal de televisão corporativa com muito prestígio, tendo recebido vários prémios de melhor canal de comunicação corporativa, não só a nível nacional como também internacional.
Outro momento chave foi a nossa expansão internacional para o Brasil há cerca de 15 anos.
César - Gestão e Visão
8. Como descreve o seu estilo de liderança?
César: Valorizo o bem-estar da equipa. Acredito no equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Quero que as pessoas sintam que trabalham em algo que faz sentido e as desafia. O que também acaba por ser um desafio, pois a equipa tem que se manter motivada, de forma a conseguirmos elevar o nosso negócio e lançar ao mercado funcionalidades que acrescentem valor e permitam às empresas crescer.
O teletrabalho acabou por ser um pequeno entrave neste processo, pois considero que se perde um pouco a questão cultural que sempre tentamos fomentar dentro da empresa, contudo adaptamo-nos e o importante é tentar que as pessoas cresçam dentro da empresa, sejam críticas, produtivas e acima de tudo que se sintam bem.
9. Como se posicionam em termos de marketing?
César: Como sempre tivemos uma presença digital orgânica muito forte, historicamente acabamos por nos tornar uma empresa muito passiva, ou seja, essencialmente os clientes é que nos procuram, já que recebemos diariamente várias leads.
Isto acontece porque durante anos o nosso SEO foi bastante forte e bem trabalhado. Desde que assumi a gestão da empresa há cerca de 4 anos, o nosso marketing tornou-se bastante mais ativo, começamos a ter presenças em eventos de referência e a criar muitas outras dinâmicas, que nos criam mais valor e notoriedade.
10. A Inteligência Artificial é central na vossa estratégia?
César: Sempre foi. No início, a plataforma que deu origem à empresa, estava repleta de componentes de Inteligência Artificial, com algoritmos de recomendação e cruzamento inteligente de informação.
Nos dias de hoje, já temos no nosso software algumas funcionalidades como a criação automatizada de anúncios de áudio e geração de imagens. Temos ainda, mês após mês, mais processos internos na empresa a serem automatizados por Inteligência Artificial.
Atualmente estamos a trabalhar numa série de novas soluções que vão desde a criação de funcionalidades bastante inovadoras a serem introduzidas no nosso software, como também um hardware que poderá complementar o nosso software.
O nosso objetivo, cada vez mais, é o de conseguirmos dar aos nossos clientes uma solução melhor do que a que já existe no mercado, com custos muito competitivos, mas no momento prefiro não aprofundar mais este tema, pois a ideia é tentarmos vir a surpreender o mercado com a apresentação dessas novas soluções.
11. E qual a sua visão de futuro, quer sobre a empresa, quer sobre a Inteligência Artificial?
César: Para além de todas as evoluções de Inteligência Artificial que temos previstas para as nossas soluções, um objetivo próximo é conseguirmos uma maior presença internacional, com a criação de uma rede de parceiros a nível mundial.
Em relação ao futuro da Inteligência Artificial, acho que no longo prazo muitas coisas caóticas podem vir a acontecer.
Vários dos episódios da série “Black Mirror”, para além de um grande nó na cabeça, dão-nos uma excelente percepção de muito do que poderá acontecer, pois conseguimos perceber o lado negro de muitas coisas que estão na eminência de acontecer, sem que nunca tivessemos pensado nelas.
Já no curto prazo, no espaço de uns 5 anos, talvez a transformação de maior impacto, venha a ser a união entre a robótica e a Inteligência Artificial, pois acho que vamos ter “humanoides” presentes no nosso dia-a-dia, como por exemplo para nos limparem a casa, dar explicações aos nossos filhos, fazerem companhia a idosos e muitas outras coisas.
12. Tem algum conselho para quem quer começar um negócio na área tecnológica ou algum momento de dificuldade que inspire os nossos leitores?
César: Posso contar-vos uma história engraçada sobre a dificuldade do empreendedorismo.
Durante a pandemia e com o teletrabalho, os canais de TV Corporativa que as empresas tinham, deixaram de ter visibilidade, porque as pessoas não estavam fisicamente nas empresas. Então criamos uma extensão em que a emissão passada nos canais das empresas, podia ser agora passada nos screensavers dos computadores, quando os mesmos deixavam de ser usados por algum tempo.
Os departamentos de Marketing das empresas adoraram esta nova solução, mas acabamos por não ter resultados na venda da mesma, porque carecia da aprovação das equipas técnicas, pois era necessário instalar um programa nos computadores e em plena pandemia, tudo o que fosse instalações era-nos boicotado pelos departamentos de IT.
No seguimento e já com mais sucesso, criámos uma solução para o Teams e neste momento, somos a única empresa capaz de realizar canais de TV Corporativa no Teams com um software de Digital Signage.
Esta nova solução foi também um desafio, pois tivemos que provar que a mesma funcionava e que era útil para as empresas. E depois de um ano neste processo, em que oferecemos a solução às empresas para que estas conseguissem perceber o seu real valor, já temos algumas grandes empresas como clientes e com uma taxa de visualização dos conteúdos pelos colaboradores de cerca de 80% (nos 2 primeiros dias de novas publicações), o que bate todos os outros meios internos de comunicação das empresas.
Este é um pequeno exemplo, que nos mostra que é necessário estar sempre preparado para mudar. O segredo para sobreviver é adaptar-se, aprender e explorar todas as oportunidades.
Olhando para trás, o que mais nos orgulha é a nossa resiliência, porque já passamos por fases muito boas e outras muito duras, mas continuamos a inovar, a crescer e a manter o espírito de equipa que tínhamos no início.